Saravá!!!!

Façamos desse blog um botequim virtual. De preferência um botequim da Lapa ou de Vila Isabel, um botequim que existiu há muito tempo atrás, onde um rapaz chamado Noel sentou-se à mesa e compôs um samba acompanhado por uma orquestra em que os instrumentos eram caixas de fósforo. (Tágore Aryce)

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Retomando os trabalhos, vamos falar de samba!

Não é fácil conciliar a boemia, o trabalho e a produção literária. Sorte daqueles que lograram êxito em transformar a boemia em trabalho. Músicos, poetas, escritores e tantos outros artistas que conseguem “ganhar dinheiro com poesia” como foi o caso do nosso genial e admirado Vinicius de Moraes. Sinto uma considerável inveja dessas pessoas.

O primeiro parágrafo serviu tão somente pra nos desculparmos pela ausência de postagens no período de festas de fim de ano que avançou o início de 2010, mas que esperamos não se emende até o carnaval. Escrever de ressaca não é uma tarefa fácil.

Meados do mês de janeiro ainda é tempo de desejar um ano com muita felicidade, saúde, samba e crescimento cultural pra todos nós. Ano de copa do mundo e eleições, não obstante, como estamos aqui pra falar de samba, o acontecimento mais importante desse ano de 2010 é o centenário do nosso saudoso, genial, inigualável e imortal Noel Rosa.

Nascido no dia 11 de dezembro de 1910 no Rio de Janeiro, Vila Isabel, bairro imortalizado pelas letras do poeta, Noel foi um dos mais geniais ou o mais genial artista brasileiro, isso pelo fato de ter produzido tão somente por sete anos. Isso mesmo, a primeira música gravada por Noel Rosa se deu em 1929 quando o mesmo tinha 19 anos de idade e a última gravação foi no ano de 1937 com 26 anos de idade.

Noel Rosa morreu na noite de 4 de maio de 1937, portanto, viveu por 26 anos, quatro meses e 23 dias, período suficiente para revolucionar a música brasileira e compor mais de 250 músicas.

Portanto, o Saravá Meu Samba dedica sua vida em 2010 a esse poeta que merece todas as homenagens possíveis nesse ano e sempre. O enredo da Vila Isabel de 2010, como não poderia deixar de ser, homenageia seu filho mais ilustre com a composição de outro ilustre artista do bairro que é Martinho da Vila em parceria com Alex de Souza e Alex Varela. Lá vai a letra do samba:

Se um dia na orgia me chamassem
Com saudades perguntassem
Por onde anda Noel?
Com toda a minha fé responderia
Vaga na noite e no dia
Vive na terra e no céu
Seus sambas muito curti
Com a cabeça ao léu
Sua presença senti
No ar de Vila Isabel
Com o sedutor não bebi
Nem fui com ele a bordel
Mas sei que está presente
Com a gente neste laurel

Veio ao planeta com os auspícios de um cometa
Naquele ano da Revolta da Chibata
A sua vida foi de notas musicais
Seus lindos sambas animavam carnavais
Brincava em blocos com boêmios e mulatas
Subia morros sem preconceitos sociais

Foi um grande chororô
Quando o gênio descansou
Todo o samba lamentou Ô ô ô...
Que enorme dissabor
Foi-se o nosso professor
A Lindaura soluçou
E a Dama do Cabaré não dançou
Fez a passagem pro espaço sideral
Mas está vivo neste nosso carnaval
Também presentes Cartola
Aracy e os Tangarás
Lamartine, Ismael, e outros mais
E a fantasia que se usa
Pra sambar com o menestrel

Tem a energia da nossa Vila Isabel
Tem a energia da nossa Vila Isabel

Vou me entregar e nesse ano de 2010 torcerei calorosamente pela Vila Isabel que não vendeu seu samba! Sim, as escolas de samba do Rio de Janeiro vendem seus enredos. Em 2008 a Acadêmicos do Grande Rio teve como enredo o gás natural de Coari, cidade do interior do Amazonas (o Prefeito Adail Pinheiro, acusado de exploração sexual infanto-juvenil se esbaldava no camarote da escola). Naquele ano a Beija-Flor foi campeã com o “empolgante” tema “Macapaba: equinócio solar, viagens ao fim do mundo.” Nada contra o Amapá, mas...

Outra revoltante comercialização: no centenário do Mestre Cartola, a Mangueira escolheu como tema o frevo! Trocaram 100 anos do mestre pelos 100 anos do frevo. Quem comprou esse samba devia ter comprado de outra escola em respeito ao Cartola e aos torcedores e moradores da comunidade.

Até entendo que vez ou outra seja feita essa comercialização, afinal, é caro manter uma escola na divisão especial do carnaval do Rio, no entanto, deixá-la sobrepor à história, nostalgia e romantismo do carnaval é um verdadeiro crime! Crime hediondo! Mas essa é a atual faceta do carnaval carioca. Gringos dançando com os dedos para cima, cambistas comercializando ingressos (o carnaval do Rio é o único lugar do mundo que as vendas começam com os cambistas antes de começar nas bilheterias. Incluam-se entre os cambistas as empresas de turismo), camarotes com pessoas ricas e ingressos comercializados com altos preços, exceto quando se torna uma espécie de moeda que compra prestígio, aí políticos que compraram o samba (o samba passa a ser dele) deitam e rolam.

Vamos ao comércio de samba de 2010. 2º Colocado (na minha opnião): Beija-Flor de Nilópolis com o enredo: "Brilhante ao sol do novo mundo, Brasília do sonho à realidade, a capital da esperança."

O tiro saiu pela culatra. Em plena caixa de pandora, mensalão do DEM, do DF ou como queiram definir, vamos nós, milhões de brasileiros assistir o neguinho da Beija-Flor cantando com um sorriso no rosto as belezas da Capital Federal. Nada contra Brasília, mas...

E o campeão da comercialização do samba enredo 2010, o mais enojador e ridículo é o samba enredo da Grande Rio, a escola dos “artistas” da igualmente enojadora Rede Globo, um casamento perfeito. O grande samba enredo de 2010 da Grande Rio: “Das Arquibancadas ao Camarote n. 1... Um “Grande Rio” de Emoção na Apoteose do seu Coração.”

Pois é. A Grande Rio vendeu seu samba à Brahma! E o samba é assinado por nada menos que 12 compositores, entre eles o ilustre Arlindo Cruz. Respeitaram o pressuposto que diz que 12 cabeças pensam melhor que uma. Eu também não saberia por onde começar. Como fazer um samba enredo em que o tema é a Brahma e seu camarote?

Mesmo com Arlindo Cruz, um dos mais badalados compositores da atualidade no Rio de janeiro, o samba ficou fraco. Não o culpo, teria que ser Noel Rosa pra conseguir tirar leite de pedra e fazer um samba que se preze sem dizer o que pretendem dizer. Se pudessem dar nome aos bois certamente seria uma tarefa menos complexa, diriam que a Brahma é boa pra caralho e que a Schin é uma bosta e dá diarréia, mas aí boa é a Antarctica. A tarefa é árdua mesmo!

Então, sem dar nome aos bois, a ala dos compositores diz: “Grande Rio, eu sou guerreiro, sou brasileiro...” esqueceram do “sou brameiro” que falam na propaganda. E prosseguem: “Vibra a arquibancada, explode o camarote número um.” (enfim uma parte que eu concordo com o samba: explode o camarote número um).

Tristeza de uns, alegria de outros. Os gringos finalmente conseguirão acompanhar o samba, afinal, o dedinho indicando o número 1 vai prevalecer na avenida e é só isso que eles sabem fazer.

Mas, vida que segue, na verdade eu tenho um pouco de culpa nessa comercialização, afinal, o que eu bebi de Brahma no ano passado não está escrito no gibi, portanto, nada contra a Brahma, mas...

O certo é que o capitalismo detona com a cultura, o folclore e a nostalgia. Em João Pessoa/PB já comercializaram o pôr-do-sol na cidade. Isso mesmo. O sol se pondo, um senhor entra em um barco e toca o Bolero de Ravel. Os bares tomam toda a visão e se você adentra ao ambiente para ver o espetáculo paga R$ 3,00. Se comercializam o pôr-do-sol, quem dirá um samba enredo. Então, força pra Vila Isabel esse ano e que a Grande Rio seja rebaixada! Roguemos praga!

Tágore Aryce da Costa

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