Saravá!!!!

Façamos desse blog um botequim virtual. De preferência um botequim da Lapa ou de Vila Isabel, um botequim que existiu há muito tempo atrás, onde um rapaz chamado Noel sentou-se à mesa e compôs um samba acompanhado por uma orquestra em que os instrumentos eram caixas de fósforo. (Tágore Aryce)

domingo, 31 de janeiro de 2010

A cidade que exala cultura (roteiro cultural da Cidade Maravilhosa)

Sou um ser apaixonado pela arte, por isso saio de Goiás todos os anos e vou ao Rio de Janeiro em busca de enriquecimento cultural, vivendo a arte onde ela acontece em cada esquina e a todo o momento. Para quem busca cultura nostálgica ou mesmo contemporânea, não há lugar melhor que o Rio de Janeiro que, indubitavelmente, continua lindo.

Nos meados do século passado a Lapa foi um reduto onde se era possível tomar uns porres com grandes nomes do cenário musical, político e cultural. Hoje, o tradicional bairro da boemia carioca retoma seu tempo áureo com uma esplendorosa efervescência cultural, nos rendendo frutos com artistas jovens fazendo música da melhor qualidade, como Tereza Cristina que se apresenta acompanhada do Grupo Semente; o Grupo de Samba Sururu na Roda, reunião de estudantes universitários da Faculdade de Música da Uni-Rio; O grupo Casuarina, comandado por João Cavalcanti, filho de Lenine que embala a nova geração da Lapa com sambas antigos e atuais; Diogo Nogueira, filho de João Nogueira, que apresenta as músicas do pai e composições próprias com timbre parecido com o do velho Presidente do Clube do Samba.

Todos esses nomes fazem o samba tradicional (denominado por muitos, samba de raiz) e composições próprias. São apenas exemplos esparsos dos frutos colhidos por uma revitalização cultural no bairro, que acontece desde 2002, nos deixando a certeza de que temos uma turma fazendo arte com qualidade e nos tirando aquele estigma de que a atual geração nada produz.

Mas nem só dos jovens nomes vive a cultura da Lapa, eventualmente se apresentam Dona Ivone Lara, Monarco, Nelson Sargento e tantos outros nomes da velha guarda do samba. Enfim, de segunda a segunda a Lapa nos enche de alegria de viver e nos dá condições de navegar nas ondas da cultura, sendo hoje, patrimônio cultural do Brasil.

Caso amanheça no samba e ainda tenha pique, passe pela Confeitaria Colombo, no centro da cidade (pertinho da Lapa). A confeitaria é suntuosa, símbolo da Belle Époque. Construída no ano de 1894, também foi refúgio de grandes nomes da política e cultura no início do século passado. Ainda pelo centro, conheça o Bar Luiz, casa com 120 anos de tradição e que tem um chopp inigualável.

Ao sairmos do centro da cidade em direção à Zona Sul, é possível sentir um cheiro de nostalgia no ar. Pode-se caminhar horas pelo bairro de Ipanema sem perceber o quanto se andou e chegar até o número 107 da Rua Nascimento Silva, que fica entre a Lagoa Rodrigo de Freitas e a Praia. O endereço serviu de residência ao grande Maestro Tom Jobim e foi imortalizado na música Carta ao Tom 74.

Mais à frente da Nascimento Silva está a esquina composta pelas ruas Vinicius de Moraes e Prudente de Moraes, que é parada obrigatória. De um lado da rua está o Bar Garota de Ipanema, antigo Bar Veloso, onde se reuniam Vinicius, Tom, Miúcha, Nara Leão, Chico Buarque e tantos outros fenômenos da Música Brasileira. Dali, durante as dezenas de rodadas de chopp, saiam obras primas com versos que nos emocionam até hoje. Na parede há quadros com fotos dos antigos freqüentadores, além da cópia original da partitura da música que dá nome ao bar. A Picanha Brasileira é o prato principal da casa e é realmente uma iguaria.

Do outro lado da rua está o Bar Vinicius que, de quinta-feira a domingo, tem ninguém menos que Maria Creuza, intérprete preferida de Vinícius de Moraes. A apresentação ocorre no andar superior da casa, ambiente aconchegante que dá um ar de intimidade com a cantora que, durante o show, nos conta momentos vividos ao lado do poetinha camarada, nos remetendo àquela época fascinante vivida no bairro.
Faço minhas as palavras de Maria Creuza que em suas apresentações diz que aquela é “a esquina mais musical do mundo.”

Na cidade do Rio de Janeiro é possível assistir a shows todos os dias. Portanto, observe o caderno cultural dos jornais e à noite presencie excelentes apresentações em casas maravilhosas como o Mistura Fina,Teatro Rival, Centro Cultural Carioca, Carioca da Gema, Canecão, Fundição Progresso, Vivo Rio, Morro da Urca, entre tantas outras. A bem da verdade, para se fazer um roteiro completo sobre as opções culturais é preciso escrever um livro, tamanha a quantidade de bares, restaurantes, casas de shows e eventos.

O Rio de Janeiro encanta aos olhos e enriquece a alma, afinal, além de tamanha magnitude cultural, há ainda a beleza natural inigualável. Portanto, vá ao Rio de Janeiro e se delicie com o ar cultural que a cidade exala.É um passeio inesquecível!

Tágore Aryce da Costa

domingo, 17 de janeiro de 2010

Rui de Carvalho: ele não deixa o samba morrer!


Nas idas e vindas Brasil afora tive gratas surpresas conhecendo lugares maravilhosos e pessoas igualmente maravilhosas. No ano de 2008 saí de Goiânia com destino ao Rio de Janeiro com o intuito de me encontrar com o jornalista amazonense Mário Adolfo. Era carnaval e cheguei à cidade maravilhosa alguns dias antes do início da data festiva.

No primeiro dia, Mário anunciou que à noite nos encontraríamos com um amigo das antigas de Manaus que morava no Rio de Janeiro.

Caminhamos até o baixo Leblon e tratamos de iniciar os trabalhos etílicos no Bar Jobi, aguardava-mos o companheiro amazônida que logo adentrou ao botequim com chapéu de sambista e um CD em mãos. Tratava-se de Rui de Carvalho, um nortista nascido em Porto Velho que havia residido em Manaus, mas que morava no Rio há muito tempo.

Após quantidades industriais de chopes e muita conversa sobre samba, ele me presenteou com o CD que trazia em mãos: “Noel Rosa por Rui de Carvalho”. Eu que sou um ser sedento por cultura e samba estava conversando e bebendo com um ativista da cultura, um homem que tem a arte correndo nas veias, isso pelo fato de ele, além de compor e cantar, ser designer e artista plástico. É um artista na mais ampla concepção da palavra!

Passado o período carnavalesco na Capital do Samba, regressei ao estado de Goiás e na primeira oportunidade que tive, escutei o presente que havia recebido do artista. Foi uma grata surpresa. Com timbre que lembra João Nogueira, Rui de Carvalho passeia pelas letras de Noel Rosa com extrema autoridade e respeito. É necessário muito respeito à obra especialmente quando o homenageado é um gênio do calibre de Noel Rosa. Há regravações que são verdadeiros crimes! Quando ouço a palavra “releitura” chego a ter calafrios.

Outra surpresa emocionante que tive ocorreu alguns meses atrás. Vasculhando os discos de vinil que meus pais colecionavam na década de 80 quando eu ainda era criança, encontrei um vinil do Rui de Carvalho. Enfieira é o nome de uma das músicas e do LP e retrata a Amazônia com autoridade de quem lá nasceu.

Enfieira é um galho que o pescador utiliza para transportar os peixes da pescaria. A madeira atravessa a guelra do peixe e sai pela boca facilitando a vida do pescador. Passei a admirar ainda mais o trabalho do Rui, afinal, há entre nós uma grande afinidade de temas. Sou apaixonado pela Amazônia e por samba.

“...o rio tem segredos que só conta para o mar.” (trecho da música Enfieira).

Infelizmente ainda não tive oportunidade de ver Rui de Carvalho em suas frequentes apresentações na cidade do Rio de Janeiro, no entanto, mantenho contato com o artista graças às ferramentas virtuais e, muito em breve, pretendo encontrá-lo na Cidade Maravilhosa para apreciar seu belo trabalho. Ele prometeu me ciceronear e me apresentar as autênticas rodas de samba da Zona Norte da cidade.

Sou extremamente grato pelas surpresas que a vida me faz. Obrigado, Rui de Carvalho, por não deixar o samba morrer!

Tágore Aryce da Costa

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Retomando os trabalhos, vamos falar de samba!

Não é fácil conciliar a boemia, o trabalho e a produção literária. Sorte daqueles que lograram êxito em transformar a boemia em trabalho. Músicos, poetas, escritores e tantos outros artistas que conseguem “ganhar dinheiro com poesia” como foi o caso do nosso genial e admirado Vinicius de Moraes. Sinto uma considerável inveja dessas pessoas.

O primeiro parágrafo serviu tão somente pra nos desculparmos pela ausência de postagens no período de festas de fim de ano que avançou o início de 2010, mas que esperamos não se emende até o carnaval. Escrever de ressaca não é uma tarefa fácil.

Meados do mês de janeiro ainda é tempo de desejar um ano com muita felicidade, saúde, samba e crescimento cultural pra todos nós. Ano de copa do mundo e eleições, não obstante, como estamos aqui pra falar de samba, o acontecimento mais importante desse ano de 2010 é o centenário do nosso saudoso, genial, inigualável e imortal Noel Rosa.

Nascido no dia 11 de dezembro de 1910 no Rio de Janeiro, Vila Isabel, bairro imortalizado pelas letras do poeta, Noel foi um dos mais geniais ou o mais genial artista brasileiro, isso pelo fato de ter produzido tão somente por sete anos. Isso mesmo, a primeira música gravada por Noel Rosa se deu em 1929 quando o mesmo tinha 19 anos de idade e a última gravação foi no ano de 1937 com 26 anos de idade.

Noel Rosa morreu na noite de 4 de maio de 1937, portanto, viveu por 26 anos, quatro meses e 23 dias, período suficiente para revolucionar a música brasileira e compor mais de 250 músicas.

Portanto, o Saravá Meu Samba dedica sua vida em 2010 a esse poeta que merece todas as homenagens possíveis nesse ano e sempre. O enredo da Vila Isabel de 2010, como não poderia deixar de ser, homenageia seu filho mais ilustre com a composição de outro ilustre artista do bairro que é Martinho da Vila em parceria com Alex de Souza e Alex Varela. Lá vai a letra do samba:

Se um dia na orgia me chamassem
Com saudades perguntassem
Por onde anda Noel?
Com toda a minha fé responderia
Vaga na noite e no dia
Vive na terra e no céu
Seus sambas muito curti
Com a cabeça ao léu
Sua presença senti
No ar de Vila Isabel
Com o sedutor não bebi
Nem fui com ele a bordel
Mas sei que está presente
Com a gente neste laurel

Veio ao planeta com os auspícios de um cometa
Naquele ano da Revolta da Chibata
A sua vida foi de notas musicais
Seus lindos sambas animavam carnavais
Brincava em blocos com boêmios e mulatas
Subia morros sem preconceitos sociais

Foi um grande chororô
Quando o gênio descansou
Todo o samba lamentou Ô ô ô...
Que enorme dissabor
Foi-se o nosso professor
A Lindaura soluçou
E a Dama do Cabaré não dançou
Fez a passagem pro espaço sideral
Mas está vivo neste nosso carnaval
Também presentes Cartola
Aracy e os Tangarás
Lamartine, Ismael, e outros mais
E a fantasia que se usa
Pra sambar com o menestrel

Tem a energia da nossa Vila Isabel
Tem a energia da nossa Vila Isabel

Vou me entregar e nesse ano de 2010 torcerei calorosamente pela Vila Isabel que não vendeu seu samba! Sim, as escolas de samba do Rio de Janeiro vendem seus enredos. Em 2008 a Acadêmicos do Grande Rio teve como enredo o gás natural de Coari, cidade do interior do Amazonas (o Prefeito Adail Pinheiro, acusado de exploração sexual infanto-juvenil se esbaldava no camarote da escola). Naquele ano a Beija-Flor foi campeã com o “empolgante” tema “Macapaba: equinócio solar, viagens ao fim do mundo.” Nada contra o Amapá, mas...

Outra revoltante comercialização: no centenário do Mestre Cartola, a Mangueira escolheu como tema o frevo! Trocaram 100 anos do mestre pelos 100 anos do frevo. Quem comprou esse samba devia ter comprado de outra escola em respeito ao Cartola e aos torcedores e moradores da comunidade.

Até entendo que vez ou outra seja feita essa comercialização, afinal, é caro manter uma escola na divisão especial do carnaval do Rio, no entanto, deixá-la sobrepor à história, nostalgia e romantismo do carnaval é um verdadeiro crime! Crime hediondo! Mas essa é a atual faceta do carnaval carioca. Gringos dançando com os dedos para cima, cambistas comercializando ingressos (o carnaval do Rio é o único lugar do mundo que as vendas começam com os cambistas antes de começar nas bilheterias. Incluam-se entre os cambistas as empresas de turismo), camarotes com pessoas ricas e ingressos comercializados com altos preços, exceto quando se torna uma espécie de moeda que compra prestígio, aí políticos que compraram o samba (o samba passa a ser dele) deitam e rolam.

Vamos ao comércio de samba de 2010. 2º Colocado (na minha opnião): Beija-Flor de Nilópolis com o enredo: "Brilhante ao sol do novo mundo, Brasília do sonho à realidade, a capital da esperança."

O tiro saiu pela culatra. Em plena caixa de pandora, mensalão do DEM, do DF ou como queiram definir, vamos nós, milhões de brasileiros assistir o neguinho da Beija-Flor cantando com um sorriso no rosto as belezas da Capital Federal. Nada contra Brasília, mas...

E o campeão da comercialização do samba enredo 2010, o mais enojador e ridículo é o samba enredo da Grande Rio, a escola dos “artistas” da igualmente enojadora Rede Globo, um casamento perfeito. O grande samba enredo de 2010 da Grande Rio: “Das Arquibancadas ao Camarote n. 1... Um “Grande Rio” de Emoção na Apoteose do seu Coração.”

Pois é. A Grande Rio vendeu seu samba à Brahma! E o samba é assinado por nada menos que 12 compositores, entre eles o ilustre Arlindo Cruz. Respeitaram o pressuposto que diz que 12 cabeças pensam melhor que uma. Eu também não saberia por onde começar. Como fazer um samba enredo em que o tema é a Brahma e seu camarote?

Mesmo com Arlindo Cruz, um dos mais badalados compositores da atualidade no Rio de janeiro, o samba ficou fraco. Não o culpo, teria que ser Noel Rosa pra conseguir tirar leite de pedra e fazer um samba que se preze sem dizer o que pretendem dizer. Se pudessem dar nome aos bois certamente seria uma tarefa menos complexa, diriam que a Brahma é boa pra caralho e que a Schin é uma bosta e dá diarréia, mas aí boa é a Antarctica. A tarefa é árdua mesmo!

Então, sem dar nome aos bois, a ala dos compositores diz: “Grande Rio, eu sou guerreiro, sou brasileiro...” esqueceram do “sou brameiro” que falam na propaganda. E prosseguem: “Vibra a arquibancada, explode o camarote número um.” (enfim uma parte que eu concordo com o samba: explode o camarote número um).

Tristeza de uns, alegria de outros. Os gringos finalmente conseguirão acompanhar o samba, afinal, o dedinho indicando o número 1 vai prevalecer na avenida e é só isso que eles sabem fazer.

Mas, vida que segue, na verdade eu tenho um pouco de culpa nessa comercialização, afinal, o que eu bebi de Brahma no ano passado não está escrito no gibi, portanto, nada contra a Brahma, mas...

O certo é que o capitalismo detona com a cultura, o folclore e a nostalgia. Em João Pessoa/PB já comercializaram o pôr-do-sol na cidade. Isso mesmo. O sol se pondo, um senhor entra em um barco e toca o Bolero de Ravel. Os bares tomam toda a visão e se você adentra ao ambiente para ver o espetáculo paga R$ 3,00. Se comercializam o pôr-do-sol, quem dirá um samba enredo. Então, força pra Vila Isabel esse ano e que a Grande Rio seja rebaixada! Roguemos praga!

Tágore Aryce da Costa